Tralha sentimental

Enquanto organizadoras profissionais falamos muitas vezes em destralhar, tarefa que consiste em tirarmos da nossa casa e da nossa vida coisas que já não nos fazem falta, que deixaram de ser úteis (ou quiçá nunca o foram).

Se já é mais fácil dizer do que fazer para papéis que guardamos porque um dia podem vir a fazer falta, para objectos com valor sentimental pode ser ainda mais difícil desapegar.

Na L3 acreditamos que apenas devemos ter 2 tipos de objectos em casa: os que usamos e os que gostamos. Os primeiros devemos manter por razões óbvias, em princípio não terá nenhuma relação especial com a sua varinha mágica, mas precisa dela para fazer sopa. Decidir que objectos são úteis ou inúteis na nossa casa pode demorar tempo e exigir perseverança, mas em princípio não será uma tarefa difícil. Não pelo menos do ponto de vista emocional. No entanto, quando falamos dos objectos que gostamos e temos de decidir quais manter e quais são tralha é que as coisas começam a complicar. Neste artigo falamos sobre este tema tão delicado: tralha sentimental.

Objectos sentimentais são aqueles aos quais nos apegamos emocionalmente, atribuindo-lhes um significado. Mesmo que não sejam úteis ou estejam danificados. Não há nada de errado em ter uma caixa de memórias ou um arquivo onde se guardam recordações especiais. O problema é quando estes objectos começam a acumular-se e a ocupar espaço necessário para a vida presente acontecer.

Tralha sentimental pode incluir objectos de várias categorias: trabalhos da escola da nossa infância, roupas, postais, loiça, toalhas, bibelots, artigos de decoração, peluches, bilhetes de espectáculos…. Basicamente qualquer objecto ao qual associamos emoções ou memórias, apesar de já não serem funcionais no nosso dia-a-dia. Então porque insistimos em mantê-los?

Uma explicação científica para este fenómeno pode prender-se com o efeito de posse. Investigação em economia comportamental demonstrou que tendemos a sobrevalorizar objectos que possuímos independentemente do seu valor monetário, mesmo que esse objecto seja nosso há pouco tempo. Um exemplo clássico deste efeito pode ser observado nas campanhas publicitárias em que nos dizem que temos muito tempo para devolver o artigo depois da compra. As lojas sabem que a grande maioria das pessoas nunca vai devolver um objecto que passou a ser seu. Aplicando este princípio aos objectos que temos em casa, eles são nossos, mesmo que objectivamente possam ter perdido a sua função. O facto de serem nossos faz-nos atribuir-lhes automaticamente mais valor do que se não fossem.

Outro fenómeno psicológico que pode levar-nos a acumular objectos que não são úteis é a aversão à perda. Ninguém gosta de perder, de deixar de ter coisas que antes tinha. A ideia de perda pode ser tão forte que pode ser sentida de forma mais poderosa do que os benefícios que podem advir de abdicar daquilo que se tem. Neste caso, a ideia de deixar de ter a loiça rachada pode ser sentida como mais forte do que a ideia de voltar a ter espaço no armário para aceder facilmente à loiça que realmente usa e lhe faz falta no dia-a-dia.

O efeito de posse e a aversão à perda ganham especial peso quando falamos em objectos pessoais, porque muitas vezes pensamos nos objectos como uma extensão das pessoas. Sabemos que um objecto não é uma pessoa, mas pode trazer-nos a memória dela.

Por exemplo, sabemos que a nossa avó falecida não está num colar, mas olhar para o seu colar traz-nos memórias de momentos que passámos com ela. Então mesmo que não usemos o colar, ele esteja danificado ou não existam ocasiões em que faça sentido usá-lo, sentimos vontade de o guardar, de o preservar. A ideia de nos desfazermos dele, mesmo que para oferecer a alguém que o usasse, pode causar tristeza ou ansiedade. 

O colar é meu por isso tem valor (posse) e deixar de o ter ia deixar-me triste (aversão à perda). Estas emoções fazem-nos guardar o colar, e está tudo certo.

O problema é quando guardamos o colar e mais duas dezenas de coisas da nossa avó e aplicamos essa lógica a várias pessoas e eventos da nossa vida. Facilmente se enche uma casa de recordações e de objectos que não fazem falta, mas têm emoções associadas. É importante pensarmos bem em quais queremos manter na nossa caixa de memórias e quais não fazem sentido.

Mas como decidir que objectos de valor sentimental manter e quais destralhar? Não há uma resposta única, mas damos-lhes 7 dicas que podem ajudar neste processo:

1. Não o faça de uma só vez. Destralhar traz muitas vantagens, mas pode ser difícil, vá divisão a divisão de cada vez. Se uma sala for muito grande dedique mais do que um dia a esse espaço.

2. Comece pelos objectos funcionais, ganhe prática na tomada de decisões, automatize o processo de dividir os objectos em categorias (manter, doar, vender ou lixo). Quando chegar a vez dos objectos sentimentais vai estar mais preparado/a.

3. Peça ajuda. Não precisa de fazer tudo sozinho/a. Seja um companheiro, um familiar ou um amigo. Se sabe que lhe vai ser difícil rever alguns objectos e tomar decisões porque não contar com a ajuda de uma pessoa chegada e de confiança? Eventualmente essa pessoa até pode ficar com alguns objectos, destralhar pode ser mais fácil se soubermos que vamos tornar um objecto inútil da nossa casa num de grande utilidade na casa de um familiar/amigo.

4. Lembre-se que as suas memórias não estão nos objectos, o colar pode ajudar-nos a pensar na nossa avó, mas as memórias que temos dela estão armazenadas no nosso cérebro, não naquele objecto.

5. Tire fotografias! Vivemos numa era digital em que podemos armazenar de forma bastante económica fotografias e vídeos. Porque não fotografar uma última vez aquela caneca velha antes de a deitar fora?

6. Pense nas vantagens de ter mais espaço livre em casa: vai facilitar o seu dia-a-dia, localizar os objectos que precisa torna-se mais fácil numa casa sem tralha, limpar a casa é mais rápido e fácil (quem é que gosta de passar vários minutos a limpar o pó a uma prateleira cheia de bibelots?).

7. Não precisa de destralhar todos os objectos sentimentais de sua casa! Pode e deve manter uma caixa de memórias.

Lidar com objectos sentimentais pode ser uma tarefa difícil. Esperamos que ao compreender os mecanismos psicológicos que contribuem para esta dificuldade e com as dicas práticas referidas consiga fazê-lo de forma mais Leve.

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